Três deputados gaúchos, com apoio de 25, têm projetos que podem piorar a crise climática

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A crise climática que assola o Rio Grande do Sul e já afetou mais de 2 milhões de pessoas, deixando ao menos 147 mortos, foi agravada por leis que flexibilizaram a destruição ambiental no estado. E o cenário pode piorar com a ajuda de políticos gaúchos como o senador Luis Carlos Heinze, do PP, e os deputados Lucas Redecker, do PSDB, e Alceu Moreira, do MDB, além do ex-deputado federal Jerônimo Goergen, do PP.

Eles são autores ou relatores de projetos de lei que fazem parte do chamado “pacote da destruição” por entidades como o Observatório do Clima e o Instituto Socioambiental, o Isa.

Se aprovadas, as propostas ligadas diretamente a esses parlamentares vão contribuir para tornar os eventos extremos cada vez mais frequentes e severos, dizem especialistas dessas entidades.

O senador Heinze, produtor de arroz e negacionista do clima, apresentou três emendas ao PL do licenciamento ambiental, que já foi aprovado na Câmara dos Deputados e, agora, está no Senado.

Segundo Maurício Guetta, consultor jurídico do Isa, de todas as propostas que promovem o desmonte das leis ambientais, esta é a mais impactante, porque isenta a maioria dos empreendimentos de licença e de estudos de impacto. “As emendas do senador Heinze tornam o projeto ainda mais danoso”, diz.

Se o PL for aprovado, a grande maioria das atividades poluidoras e de impacto ambiental vão ficar sem qualquer controle do estado, inclusive quanto ao desmatamento e às mudanças climáticas que podem provocar.

Uma das emendas de Heinze, por exemplo, visa dispensar a exigência do Cadastro Ambiental Rural na autorização de retirada de vegetação, no caso de empreendimentos de transporte e energia. A supressão da mata está diretamente relacionada ao nível de destruição de enchentes, explicou ao Intercept Brasil Suely Araújo, coordenadora do Observatório do Clima.

Parlamentares querem obras de irrigação em áreas preservadas

A terceira emenda proposta pelo senador Heinze ao PL do licenciamento ambiental visa permitir a construção de reservatórios para irrigação em Áreas de Preservação Permanente, as APPs. O plano é classificar essas obras como de utilidade pública.

A proposta é semelhante a do PL 1282/2019, também de autoria de Heinze, e do PL 399/2022, apresentado pelo então deputado Jerônimo Goergen. Esses PLs são parecidos com o que foi aprovado no Rio Grande do Sul quase um mês antes das enchentes.

A justificativa dos parlamentares é a necessidade de intervir nas APPs para garantir a segurança alimentar e hídrica do Brasil. Mas, para Guetta, os PLs autorizam o desmatamento nas margens dos rios e o barramento dessas águas para fins de irrigação.

Como a finalidade das APPs é preservar os recursos naturais para a oferta de água e para a produção agrícola, se aprovadas, as propostas aumentam a crise hídrica.

Tanto o PL de Heinze quanto o do ex-deputado Goergen tramitam na Câmara dos Deputados. O PL do senador aguarda parecer do relator Afonso Hamm, do PP do Rio Grande do Sul, na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural.

Procurado pelo Intercept, o senador Heinze não respondeu ao e-mail. Já o ex-deputado Goergen disse que seu projeto é extremamente importante e viável. “Eu não estou querendo liberar geral. É quando for de interesse público, se o estado entender [que é necessário fazer obras de irrigação] em determinada área, por uma questão de sobrevivência humana”.

Ibama também é alvo de ataques

Além de querer flexibilizar a proteção à margem dos rios, o ex-deputado Goergen pretende enfraquecer o Ibama. Ele é autor do PL 10273/2018, que esvazia a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental, TCFA, em vigência há 24 anos.

A proposta do deputado institui que o Ibama só poderá cobrar a TCFA das atividades que forem licenciadas pela União. Atualmente, as fiscalizações do órgão abrangem também empreendimentos licenciados por estados e municípios.

De acordo com o Observatório do Clima, o PL aprovado em abril de 2024 na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, a CCJC, elimina recursos fundamentais para as atividades do Ibama e dos órgãos ambientais estaduais.

Em 2023, foram arrecadados mais de R$ 700 milhões de TCFA, dos quais R$ 315 milhões foram repassados aos estados.

Goergen é o atual presidente do Instituto Liberdade Econômica, uma entidade que defende a “redução do peso do estado na vida do cidadão”.

Por telefone, ele me disse que seu projeto “não cabe no debate que estão tentando fazer sobre questão ambiental” e sua proposta não é acabar com a TCFA.

“Nós estamos fazendo com que a taxa cumpra a sua finalidade, que seja cobrada sobre o orçamento daquilo que existe o impacto ambiental, e não sobre o faturamento global das empresas. Se a ideia de uma taxa é fazer caixa para o Ibama, está errado”, justificou.

PL põe em risco 48 milhões de hectares de vegetação não florestal

Um dos projetos defendidos por parlamentares gaúchos, o PL 364/2019, coloca em risco toda vegetação não florestal do país, principalmente as áreas campestres da região sul, onde predominam os biomas do pampa e da mata atlântica. Esses ecossistemas são fundamentais para a manutenção de nascentes e aquíferos.

A proposta é de autoria do deputado Alceu Moreira, eleito a personalidade política nacional do agro gaúcho em 2024, e teve relatoria na CCJC do deputado Lucas Redecker.

De acordo com a análise do Observatório do Clima, o PL permite o uso do solo de campos nativos e outras formas de vegetação nativa para agricultura, plantio de pastos e até mineração.

Na prática, isso muda uma regra que estava em vigor no Brasil desde 1934 e elimina a proteção de toda a Mata Atlântica, de 50% do pantanal, 32% do pampa, 7% do Cerrado e de quase 15 milhões de hectares na Amazônia.

Intercept Brasil

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