Moro ao lado de uma escola e a poucos metros de um rio. Sempre que penso em me mudar — esporte que adoro —, tenho uma única certeza: nunca vou ter uma vizinhança tão nobre.
Quando vim de São Conrado pra cá, em dezembro de 2020, o barulho da água do rio me hipnotizou por completo. Era pandemia. Os carros ainda não tinham voltado pras ruas, e as aulas seguiam remotas, o que deixava o Rainha — sim, esse é o nome do rio da Gávea — acima de tudo. De todos os sons, de todos os medos, de todas as dúvidas.
Com a vacina, os ruídos da vida foram voltando, assim como eu também recuperei meu esquema, que basicamente, e cada vez mais, resume-se a três programas: São Paulo, cinema e Copacabana, onde mora minha mãe. Saio, sobretudo, pelo prazer do regresso.
Nos últimos dias, porém, fui obrigada, a mexer nessa equação. Depois de 48 horas na cama, recorri a um teste de farmácia pra confirmar que, sim, eu estava com Covid. Desta vez — viva a ciência, viva a ciência, viva a ciência —, sem o desespero da sentença pré-agulhadas, só me tranquei no quarto, já que a sala parecia estar em outro CEP.
Morando na cama, sem conseguir ler nem ver séries, minha atenção foi inteira pra varanda. Acompanhei, no pacote premium do pay per view, a adaptação de algumas crianças pequenas em seus primeiros dias de aula. Ou melhor, em seus primeiros dias sem os pais.
“Mãe!!!!!!”, gritavam alguns pequenos, à la Bella Baxter, do filme “Pobres Criaturas”, com aquela pureza que perdemos quando adquirimos o que chamamos “educação”. Olho pro rio Rainha. Quando é que paramos de chamar por quem amamos? Quando é que abandonamos os córregos dos nossos bairros? Quando é que deixamos de ouvir os barulhinhos do lado de fora?
Não tenho a menor ideia. Mas depois de cinco dias meio pra dentro, posso dizer que esse camarote, o da escuta, é um dos mais interessantes a que eu já fui. Melhor que esse, só o do outro lado do muro, onde é possível espernear de saudades de quem ainda nem saiu de perto e ganhar algum colo.
Mas como estamos no modo adulto, fiquemos com o afago possível, duramente alcançado com muita análise e, se possível, duas ou três amigas e alguma natureza: o que, em algum momento do rolê, aprendemos a desenvolver, que nem a Miley Cyrus. O colo que damos a nós mesmas. Com ou sem Covid.
Maria Ribeiro