Em meio a disputa entre Javier Milei, presidente da Argentina, com a Associação do Futebol Argentino (AFA) pela legalização das SADs (Sociedades Anônimas Desportivas), o Estudiantes está próximo de receber o maior investimento externo da história de um clube do país.
O aporte seria feito pelo empresário norte-americano Foster Gillett, e chegaria a 120 milhões de dólares (R$ 650 milhões na cotação atual). Afinal, o Estudiantes pode receber o investimento sem virar uma empresa? O clube mudaria o modelo institucional na disputa entre governo e federação? Vamos explicar!
Ao contrário do Brasil, os times argentinos não podem existir como clubes-empresas. A lei não permite, mas um decreto do presidente Javier Milei ficou próximo de mudar a situação no país. O caso, porém, não é simples e envolve a AFA.
A entidade máxima do futebol na Argentina não apoia as SADs (equivalente às SAFs no país vizinho), assim como a larga maioria dos clubes, como confirmado em votação unânime contra o modelo realizada em novembro de 2023. Na ocasião, todos os 45 presentes defenderam o modelo de associação civil.
Mas por qual motivo não existem Sociedades Anônimas no futebol argentino? O contexto do país é muito diferente do brasileiro. Enquanto o River Plate ultrapassou os 350 mil sócios, a segunda maior marca do mundo, outros clubes também possuem números significativos, até mesmo os considerados menores. Quem explica é o jornalista Irlan Simões, blogueiro do ge.
– Os clubes da Argentina são democratizados. Os sócios participam diretamente de eleições, de assembleias, aprovação e reprovação de contas. Eles participam de uma forma mais intensa e massiva comparando com os clubes brasileiros. É outra cultura de clube.
Irlan Simões: “O clube na Argentina é algo para muito além de um time de futebol, de uma comunidade imaginada e/ou de um símbolo que se resume ao escudo na camisa. Trata-se de um lugar real, onde se vive, se convive e se constrói uma relação de afeto e pertencimento”.
AFA x Milei: federação e presidente da Argentina discordam sobre SADs
Javier Milei, porém, quer mudar a situação no país, e é a favor do investimento privado nos clubes de futebol. Em dezembro de 2023, o presidente publicou um decreto com uma série de mudanças para mudar a economia argentina. No pacote, previa-se a mudança da Lei Geral de Sociedades, de 1984, para permitir que as associações esportivas se tornem Sociedades Anônimas caso dois terços dos associados aprovem.
A AFA foi contra a medida de Milei, que respondeu. Há pouco mais de um mês, em agosto, o presidente argentino decretou que “qualquer direito de uma organização desportiva não pode ser impedido, privado ou prejudicado em razão de sua forma jurídica, seja uma associação civil ou uma corporação, desde que seja reconhecido por lei”.
Assim, a Federação teria um ano para adaptar os estatutos e permitir as SADs. No início de setembro, a Justiça barrou o decreto, complementar ao DNU (Decreto Nacional de Urgências).
– A própria AFA consultou a FIFA dizendo que essa intervenção do governo argentino no estatuto de uma federação pode acarretar em punições para a seleção. A FIFA veda a intromissão de governos em suas federações afiliadas – disse Raphael Sibilla, correspondente da Globo em Buenos Aires.
Como o Estudiantes entra na história?
Ídolo do clube e campeão da Libertadores de 2009, vencida contra o Cruzeiro, Juan Sebastián Verón é um dos grandes da história do Estudiantes. Hoje, “La Brujita” está no comando do clube. Presidente, Verón é opositor da AFA. O ex-jogador é crítico do campeonato com mais de 20 equipes e também faz duras cobranças sobre a arbitragem do país. Agora, ele também se posiciona ao lado de Milei pelo investimento externo.
Mesmo sem as SADs, o Estudiantes ainda pode receber o investimento de 120 milhões de dólares sem entregar o comando do clube para o americano Foster Gillett, que pretende injetar o dinheiro no clube. Afinal, o que pode ser feito?
Existem diferentes modelos para “driblar” o regulamento que proíbe as SADs. Os alemães sabem bem disso. Lá, não é permitido que uma empresa ou indivíduo seja dono de mais de 50% do clube. Assim, 49% da organização poderiam ser colocados a venda, enquanto o clube seria o dono da maior parte. Outro método é o “gerenciamento”, usado por Belgrano, Defensa y Justicia e Talleres, em que o controle do futebol seria cedido a uma empresa em troca de dinheiro.
As duas opções não parecem estar no horizonte de Verón, que perderia grande parte do controle que detém hoje no Estudiantes. Ao ge, o jornalista Lucas Cislaghi, do Diário Olé, principal jornal esportivo da Argentina, afirmou que o clube nega os dois modelos mais comuns. Segundo Cislaghi, o time de La Plata deve realizar um comunicado sobre o assunto nas próximas semanas.
– Os aportes não vão mudar o quadro institucional do Estudiantes, onde esperam devolver o dinheiro ao empresário por meio da venda de jogadores, premiações internacionais, receitas no estádio e assim por diante. O Estudiantes não será uma SAD nem será gerido, uma vez que o estatuto da AFA não o permite neste momento. As contribuições chegarão de forma colaborativa e serão devolvidas de boa fé – afirmou o jornalista argentino.
“O que pode acontecer é o clube apresentar um projeto de investimento que seja aprovado pelos seus associados em assembleia geral sem alterar o seu modelo institucional”, continuou Cislaghi.
A princípio, o investimento deve ser feito na infraestrutura do clube. O centro de treinamento, a academia de base e o Estádio Jorge Luis Hirschi, o UNO, devem receber mudanças com o investimento de Foster Gillett. Na última sexta-feira, Verón publicou um vídeo nas redes sociais em que filmava a casa do Estudiantes e dizia que “poderia ser uma das últimas vezes que o veriam assim” (assista mais acima).
– A primeira coisa a fazer é olhar para os maus exemplos das empresas, não para os bons. Se olharmos para as sociedades civis que faliram na Argentina, são muitas. Possivelmente no futuro possamos ter algum tipo de discussão com uma proposta mais armada. Devemos perder os medos e projetar um clube cada vez maior. Pode ser um sistema híbrido ou misto, onde ambas as coisas coexistem. Ninguém vai vir comprar o Estudiantes, mas ser parceiro de futebol, sim – disse o presidente e ídolo do clube.
Verón não foi o primeiro encontro de Foster Gillett na Argentina. Antes, o americano encontrou com o presidente Javier Milei em uma “reunião extremamente confidencial”, como disse o Diário Olé. Depois, Gillett assistiu duas partidas no país: a vitória do River Plate sobre o Talleres por 2 a 1 na Libertadores, em 21 de agosto, e o empate em 1 a 1 entre Estudiantes e Boca Juniors, cinco dias depois.
Quem é Foster Gillett? Empresário pode fazer aporte de US$ 120 milhões
Gillett não é novo no mundo do futebol. Seu pai, George Gillett, comprou o Liverpool em 2007, e Foster participou do conselho administrativo do clube inglês. Três anos depois, o americano vendeu o time inglês para os atuais donos, a Fenway Sports Group. Esse foi o tempo exato em que Javier Mascherano atuou pelos Reds. O ex-jogador foi o responsável por Foster Gillett se apaixonar pelo futebol argentino.
– Minha mensagem aos torcedores é que se trata de melhorar o que já possuem, que acredito que os argentinos criam um dos melhores ambientes do mundo para o futebol e alguns dos melhores jogadores do mundo – completou Foster Gillett.
Tetracampeão da Libertadores, o Estudiantes é o atual campeão da Copa da Liga Argentina. Após empatar em 1 a 1 no tempo normal, a equipe venceu o Vélez Sarsfield nos pênaltis por 4 a 3 e faturou a taça da competição.
Fonte ge