A cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris 2024 foi um passeio mágico pelo coração de Paris, mas que esbarrou em uma certa frieza potencializada pela chuva e pela dispersão das atrações ao longo dos 6 km de trajeto. Ainda assim, teve toques de emoção, mistério, tensão e medo, como nos melhores contos de fada. E teve seu ápice quando os tricampeões olímpicos franceses Marie-José Perec, do atletismo, e Teddy Riner, do judô, acenderam juntos a pira olímpica, que subiu aos céus como base de um grande balão, iluminando a Cidade Luz.
Da Ponte de Austerlitz até o Trocadero, aos pés da Torre Eiffel, 85 barcos navegaram pelo Rio Sena nesta sexta-feira (26), levando delegações, autoridades e celebridades a céu aberto, fora do confinamento dos estádios, onde tradicionalmente a abertura acontece. Nos ancoradouros da Cidade Luz, mais de 300 mil pessoas ignoraram a chuva que insistiu em cair e assistiram ao show de embarcações e de cantores pop, aplaudindo os verdadeiros artistas do espetáculo: os atletas que carregaram as cores e bandeiras dos 205 países representados nos Jogos.
Houve apreensão por causa de rumores sobre ameaças de bomba, o que levou à evacuação de alguns setores às margens do Sena, ao fechamento do espaço aéreo de Paris e a um reforço de segurança para o barco que levou a delegação de Israel. O mistério, por sua vez, foi encarnado pela figura de um mascarado que levou a tocha pela cidade, e que na verdade representou várias figuras da cultura francesa, como o Fantasma da Ópera e Arsène Lupin, personagem de uma série de livros de detetive.
Mas nada, nem o medo, nem o enigma, superou a emoção de ouvir “L’Hymne à l’amour” (Hino ao Amor, em tradução livre) na voz de Céline Dion no final, com a pira olímpica iluminando o céu. Do alto da Torre Eiffel, a cantora canadense fez sua primeira apresentação desde que interrompeu sua agenda de turnês e se afastou dos palcos após ser diagnosticada com uma síndrome rara em dezembro de 2022.
Para os brasileiros que assistiram ao espetáculo, outro momento de comoção foi na passagem do barco Le Bel Ami (“o belo amigo”, em tradução livre para o português), que levou a delegação verde e amarela. O campeão e multimedalhista olímpico Isaquias Queiroz, da canoagem de velocidade, e a capitã da equipe de rugby sevens, Raquel Kochhann, que venceu um câncer de mama e voltou ao esporte, foram os porta-bandeiras do Brasil.
Os dois lideraram um grupo de 50 atletas de 13 modalidades, representando os 277 brasileiros classificados, navegando logo na primeira parte do percurso, na altura da île Saint-Louis, perto da Catedral de Notre Dame. Além de Isaquias, havia mais dois medalhistas no barco: o cavaleiro Rodrigo Pessoa e a judoca Ketleyn quadros. O trio do atletismo que recebeu aprovação da Corte Arbitral do Esporte (CAS) para disputar as Olimpíadas de Paris na manhã desta quinta-feira, composto pelos brasileiros Hygor Gabriel, Max Batista e Lívia Avancini, também estava presente.
Logo após Lady Gaga se apresentar cantando “Mon Truc en Plumes” (“Minha cena em plumas”, em tradução livre), os atletas brasileiros passaram e mostraram a alegria de estar vivendo o sonho olímpico. Mas não ficaram para o grande final no Trocadero. O Comitê Olímpico do Brasil orientou que todos voltassem para a Vila Olímpica assim que desceram do barco, para se abrigarem da chuva e evitarem problemas antes das competições.
A Cerimônia
A cerimônia seguiu um roteiro dividido em 12 partes, cada uma representada por uma palavra que encarna ou o espírito olímpico, ou a alma francesa.
Um vídeo com o campeão do mundo de futebol Zinédine Zidane recebendo a tocha abriu a cerimônia. De terno, o ex-jogador franco-argelino correu pela cidade com a chama olímpica, pegou o metrô e entregou a tocha para crianças, que percorreram galerias do metrô até um rio subterrâneo. Lá entraram em um barco a remo conduzido por uma figura mascarada misteriosa.
Esse mascarado foi, a partir daí, o condutor da chama e do espetáculo, que ganhou ares de contos de fada a partir do momento em que seu barco passou por baixo da Ponte de Austerlitz, que explodiu em um espetáculo de fumaça vermelha, azul e branca, cores da bandeira da França.
A primeira parte da cerimônia se chamou Encanto, com personagens de atores vestidos de personagens de histórias infantis, de ratinhos e até croissants, tudo em tons de rosa. O barco com a delegação da Grécia, tradicionalmente a primeira a se apresentar por ter sido o berço das Olimpíadas, abriu o desfile, seguida pelos atletas da Equipe Olímpica de Refugiados. A partir daí, os países entraram em ordem alfabética.
Entre o primeiro barco e os seguintes, Lady Gaga se apresentou na escadaria do Grand Ballet, cercada de dançarinos que seguravam grandes leques de pluma cor de rosa. Na escolha da música, figurino e dança, foi feita uma grande homenagem aos tradicionais cabarés parisienses, em especial ao Moulin Rouge. Pouco depois, no momento mais potente da cerimônia, a banda de metal Gojira e a cantora de ópera Marina Viotti se apresentaram juntos em um palácio às margens do Sena, com um show de música, luzes e serpentinas.
Depois do Encanto, a história seguiu com apresentações que representaram a Sincronia e as três palavras que são o lema da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Ao fim desta última, a cantora francesa Axelle Saint-Cirel entoou A Marselhesa, hino da França, em tons operísticos. Vestida com uma túnica e segurando a bandeira, Axelle lembrava uma Marianne – figura símbolo da Revolução – moderna. Um momento emblemático e emocionante antes de começar a parte da história chamada de Sororidade.
Espírito esportivo e Festividade concluíram o desfile de delegações. Além dos barcos com países, todas essas oito etapas foram recheadas de shows e de performances que ainda incluíram a simulação do roubo da Mona Lisa, no Museu do Louvre, e um desfile de modas ao melhor estilo Paris Fashion Week.
Intitulada Escuridão, a nona etapa se iniciou com um duo de voz e piano cantando Imagine, de John Lennon, com o piano em chamas. Em Solidariedade, uma mulher cavalgou um cavalo mecânico de metal sobre o Sena até subir, com um cavalo branco de verdade, uma ponte em frente à torre Eiffel. Encarnando Sequana, a deusa do Rio Sena, levava como capa a bandeira com os aros olímpicos, que foi hasteada de cabeça para baixo, numa gafe que fez a festa das redes sociais e deu início à Solenidade. Etapa protocolar, contou com discurso dos presidentes da Paris 2024, Tony Estanguet, e do Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach, além da abertura oficial dos Jogos pelo presidente da França, Emmanuel Macron.
O encerramento recebeu o nome de Eternidade, destino reservado aos heróis olímpicos. Zidane reapareceu e recebeu a tocha das mãos do mascarado, repassando para o tenista espanhol Rafael Nadal, medalhista de ouro no simples em Pequim 2008 e nas duplas na Rio 2016, e que disputará em Paris suas últimas Olimpíadas. A torre Eiffel foi abraçada por um show de luzes enquanto o tenista levava a chama olímpica em um bote e a revezava com a ginasta romena Nadia Comaneci, o velocista americano Carl Lewis e a tenista americana Serena Williams, todos multicampeões olímpicos.
A tenista francesa Amélie Mauresmo, prata em Atenas 2004, recebeu a tocha em terra firme e a levou até Tony Parker, francês tetracampeão da NBA, que a repassou para três atletas paralímpicos. Uma série de medalhistas franceses foi passando a chama de mão em mão até Teddy Riner e Marie-José Perec. Os dois tricampeões acenderam juntos a pira, que subiu aos céus na base de um balão. A voz de Céline Dion então se elevou, tomando conta de Paris. No alto da torre Eiffel, a cantora canadense encheu o ar da Cidade Luz de emoção, encerrando a cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris 2024.