Um caso internacional recente chamou atenção ao reconhecer um homem de 35 anos como herdeiro de um empresário falecido em 2011 com base em uma prova inusitada: a análise de DNA feita a partir de saliva do avô paterno, coletada do solo por um detetive privado. O material foi considerado suficiente para confirmar o vínculo biológico e garantir ao autor o direito a uma herança milionária.
No Brasil, especialistas avaliam que situações semelhantes poderiam gerar intensos debates jurídicos e forenses. Segundo Wagner Oliveira Pereira Junior, advogado da Michelin Sociedade de Advogados e pós-graduado em Direito de Famílias e Sucessões pela PUC/PR, a Justiça brasileira admite a prova genética obtida de forma indireta “quando a coleta direta é impossível, excessivamente gravosa ou injustificadamente recusada”. Ele destaca que o Superior Tribunal de Justiça já aceitou, por exemplo, exames realizados com avós ou tios, exumação de restos mortais em caráter excepcional e coleta de objetos pessoais, desde que determinada judicialmente e com cadeia de custódia preservada.
As implicações sucessórias também são relevantes. “O filho reconhecido judicialmente após a morte é herdeiro necessário e tem direito à legítima, o que pode levar a sobrepartilha, petição de herança e recomposição de participações em empresas familiares. Em estruturas societárias, esse reconhecimento pode afetar acordos de sócios, testamentos e doações, exigindo medidas preventivas de compliance sucessório”, afirma Wagner.
Já do ponto de vista técnico-forense, Caroline Daitx, médica especialista em Medicina Legal e Perícia Médica, ressalta que provas obtidas de fontes indiretas, como escovas de dentes ou bitucas de cigarro, só são aceitas quando acompanhadas de laudo oficial. “A cadeia de custódia é essencial: coleta por perito habilitado, lacração e documentação de todo o percurso da amostra. Materiais obtidos sem ordem judicial ou por detetives particulares correm alto risco de impugnação, por violarem direitos de privacidade”, alerta.
Outro ponto sensível é a recusa ao exame de DNA. A Súmula 301 do STJ prevê presunção relativa de paternidade em caso de recusa injustificada. Para Wagner, “não se admite coerção física; o juiz deve ponderar as razões da recusa, mas pode adotar meios alternativos de prova, sempre em respeito à intimidade e à dignidade da pessoa”.
O caso reforça a importância do planejamento sucessório e do controle judicial na produção de provas genéticas. Para Caroline, “exames de DNA indiretos podem ser válidos, mas só têm peso real quando feitos dentro dos parâmetros técnicos e legais, com supervisão do Judiciário”.
A discussão evidencia como a tecnologia forense e o direito sucessório se entrelaçam em disputas cada vez mais complexas, sobretudo em famílias empresárias ou de alto patrimônio. O debate deve ganhar força no Brasil, onde o uso de provas indiretas, aliado às demandas sucessórias, pode redefinir estratégias jurídicas em inventários e litígios familiares.
Fontes:
Caroline Daitx, médica especialista em medicina legal e perícia médica. Possui residência em Medicina Legal e Perícia Médica pela Universidade de São Paulo (USP). Atuou como médica concursada na Polícia Científica do Paraná e foi diretora científica da Associação dos Médicos Legistas do Paraná. Pós-graduada em gestão da qualidade e segurança do paciente. Atua como médica perita particular, promove cursos para médicos sobre medicina legal e perícia médica.
Wagner Oliveira Pereira Junior, advogado da Michelin Sociedade de Advogados, pós-graduado em Direito de Famílias e Sucessões pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
