Na última semana, um adolescente conseguiu identificar e denunciar um predador sexual online que tentou se aproximar de uma criança de 11 anos após participar de cursos de conscientização sobre segurança digital. O caso é um dos primeiros resultados concretos da plataforma “Amplificando Vozes”, criada pela ONG Visão Mundial, organização humanitária presente em mais de 100 países e com mais de 50 anos de atuação no Brasil, em parceria com a Safe Online e que já reúne mais de 600 adolescentes em todo o país.
O lançamento da iniciativa ocorre em meio a um cenário de crescimento alarmante das violações contra crianças e adolescentes na internet. No primeiro semestre de 2025, a SaferNet recebeu 28.344 denúncias únicas de imagens de abuso e exploração sexual infantil, um aumento de 19% em relação ao mesmo período de 2024. Em agosto, após o vídeo viral do influenciador Felca sobre adultização digital, os registros mais que dobraram: foram 1.651 denúncias, contra 770 no mesmo período do ano anterior, um salto de 114%. No ranking global, o Brasil passou da 27ª para a 5ª posição entre os países com mais denúncias de abuso sexual infantil online entre 2022 e 2024.
A plataforma funciona em três eixos: formação, com cursos sobre enfrentamento da violência sexual e uso seguro das redes sociais; rede de apoio entre adolescentes, que compartilham experiências e estratégias de proteção; e mobilização social, com campanhas e participação em debates políticos. Em maio, diante de ações da ONG, foi realizada uma campanha em alusão ao Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (18 de maio), que alcançou mais de 50 mil pessoas em diferentes plataformas digitais.
“O diferencial não é apenas proteger crianças, mas colocá-las como protagonistas do processo. Quando adolescentes levam sua própria voz aos espaços de decisão, a mensagem se torna muito mais potente”, afirma Thiago Crucciti, diretor nacional da ONG Visão Mundial Brasil.
Além da mobilização, a plataforma já mostra resultados práticos. No caso do adolescente que denunciou um predador online, o jovem aplicou os conhecimentos adquiridos nas formações, alertando a família e acionando as autoridades. “É a prova de que informação salva vidas. Quando um jovem sabe reconhecer sinais de risco e como agir, não apenas se protege, mas também protege outras crianças à sua volta”, explica Régis Pereira, especialista em políticas públicas da ONG Visão Mundial.
A trajetória recente da proteção digital no Brasil também mostra como o trabalho técnico e a mobilização online podem se complementar. A coalizão de mais de 200 organizações da sociedade civil, que inclui a instituição, foi responsável por construir uma proposta madura e baseada em evidências: o PL 2628/2022, aprovado com mudanças nesta quarta-feira (20) pela Câmara dos Deputados; o texto agora volta ao Senado para nova votação. O texto contou com ampla participação social e até a presença ativa de adolescentes em sua formulação.
O tema só ganhou dimensão popular quando o influenciador Felca publicou um vídeo de quase 50 minutos sobre adultização digital. Com linguagem acessível e narrativa direta, alcançou milhões de pessoas, gerou a apresentação de 32 novos projetos de lei, pedidos de CPI e até medidas judiciais.
“O caso mostrou que o advocacy de bastidor é necessário, mas não é suficiente. O que cria urgência, mobiliza massa crítica e força decisões rápidas hoje acontece na interseção entre narrativa e alcance. Especialistas constroem; criadores aceleram. O papel das ONGs é orquestrar, e não competir”, avalia Crucciti.
O movimento brasileiro também se conecta a um debate internacional, mas ainda há diferenças importantes. O Senado norte-americano discute propostas de regulação das redes sociais; a Austrália já aprovou uma lei que restringe o acesso de menores de 16 anos; e a União Europeia consolidou diretrizes para ambientes digitais protetivos. No Brasil, a proposta já passou pelo Senado, mas segue à espera de votação na Câmara dos Deputados.
“Enquanto outros países já implementaram medidas, seguimos em debate. A boa notícia é que a sociedade civil brasileira se antecipou, formando coalizões e envolvendo os próprios adolescentes para que a pauta não dependa apenas do ritmo político”, acrescenta Crucciti.
A iniciativa integra as ações comemorativas dos 50 anos da Visão Mundial no Brasil. Para a ONG, apostar no protagonismo juvenil é a evolução natural de cinco décadas de defesa da infância. “Olhando para trás, sempre trabalhamos para proteger as crianças mais vulneráveis. Agora, queremos garantir que elas também sejam escutadas e respeitadas como sujeitos de direitos”, completa o diretor.
Sobre a Visão Mundial
A World Vision, conhecida no Brasil como Visão Mundial, é uma organização humanitária cristã dedicada a trabalhar com crianças, famílias e comunidades para combater as causas da pobreza e da injustiça. No Brasil desde 1975, atua nas áreas de proteção, educação, advocacy e emergências, priorizando populações em situação de vulnerabilidade, independentemente de religião, raça ou gênero. Mais informações: www.visaomundial.org.br
