A empresa Ouro Verde, responsável pelo lixão em Padre Bernardo que levou 42 mil metros cúbicos de resíduos ao córrego Santa Bárbara, tem até 15 de setembro para concluir a limpeza da área afetada, conforme determinado pela Secretaria de Meio Ambiente de Goiás (Semad GO). A retirada do lixo do córrego iniciou esta semana.
A engenheira ambiental e sanitarista Maristela Rodrigues explica que os prazos estabelecidos até setembro são apenas ações iniciais para evitar novos deslizamentos e pontos de contaminação, mas não resolvem o problema de forma definitiva. Segundo ela, a recuperação da área atingida pelo desmoronamento do lixão pode levar décadas.
“O impacto é muito grande. É preciso agir com urgência. Tudo ali é química, e essa química contamina o ar, o solo, a água, os animais e principalmente as pessoas. Se nada for feito, corremos o risco de ver tragédias semelhantes em outras regiões”, afirmou.
Os prazos emergenciais preveem que, além da limpeza, a empresa apresente projeto de uma nova lagoa de chorume. Maristela afirma que, pela complexidade dos trabalhos, as ações podem exigir das autoridades o uso de novas tecnologias ou até intervenções aéreas para acessar as áreas mais afetadas.
“A topografia local é o maior dificultador de acessibilidade. É uma região de serras e fendas profundas, e nessas fendas estão as maiores contaminações, que atingem não só os rios, mas também possíveis aquíferos. A recuperação deve ser feita com monitoramento contínuo, acompanhada pelo município, pelo Estado, pela Justiça e, principalmente, pela população local, que é a maior afetada por essa catástrofe”, explicou.
De acordo com a engenheira, todas as propriedades rurais ao longo de quilômetros estão com suas águas contaminadas, tanto subterrâneas (poços artesianos) quanto superficiais. Ela afirma que já atuou em casos semelhantes que exigiram acompanhamento ambiental durante 12 meses em diferentes períodos do ano, mas ressalta que o volume de resíduos em Padre Bernardo é muito maior.
“Não é algo que estará resolvido em um ou dois anos. Esse monitoramento pode levar anos ou até décadas para que se consiga liberar totalmente as águas da região para uso seguro novamente. Os poços artesianos e os açudes estão contaminados. Isso traz riscos gravíssimos de doenças para as pessoas que consumirem essa água ou alimentos irrigados com ela, além da morte de animais e até mesmo de seres humanos em casos mais extremos”, alertou.
Riscos invisíveis
A engenheira explica que a população nem sempre consegue dimensionar a gravidade do desastre. Atualmente, cerca de 32% dos municípios brasileiros ainda utilizam lixões para a destinação final de resíduos, o que corresponde a aproximadamente 1.800 cidades, segundo o IBGE. Esse cenário indica que milhares de municípios correm risco semelhante ao de Padre Bernardo por não cumprirem a Lei Nacional de Política de Resíduos Sólidos, sem aterros sanitários adequados.
“À primeira vista, as pessoas não enxergam o tamanho do impacto. Mas há um dano econômico e social muito grande. As terras ficam desvalorizadas, o custo de vida aumenta porque será necessário buscar outras fontes de água e alternativas de produção. Além disso, existe o risco real de contaminação de alimentos, peixes e animais consumidos pela população.”
Entre os materiais contaminantes presentes no lixão de Padre Bernardo estão metais pesados, mercúrio e matéria orgânica em decomposição misturada a dejetos humanos e rejeitos hospitalares. Segundo ela, os resíduos acumulados produzem metano, um poluente perigoso capaz de gerar combustões espontâneas em grandes volumes no solo, com risco de incêndios, como já ocorreu em lixões de outros municípios goianos.

Falhas na estrutura
Maristela afirma que a situação poderia ter sido evitada se o local tivesse licenciamento ambiental e estrutura adequada de aterro sanitário. “Deveriam ter sido usadas mantas impermeabilizantes, feitas drenagens para retirada dos gases e construídas lagoas de tratamento dos líquidos contaminados. O que vemos ali é lixo depositado de forma incorreta.”
Ela critica o fato de apenas 19 lixões ou aterros sanitários estarem regularizados em Goiás, enquanto centenas operam de forma irregular. “Os prazos para encerramento dos lixões já foram postergados muitas vezes, mas desde agosto de 2024 eles acabaram definitivamente. Muitos municípios nem iniciaram o processo de encerramento. É uma situação muito grave.”
Medidas urgentes
Entre as ações necessárias para minimizar os impactos, Maristela destaca:
• Educação ambiental imediata para os proprietários rurais;
• Criação de um centro de informação com equipe técnica multidisciplinar;
• Elaboração de cartilhas educativas sobre riscos e cuidados sanitários;
• Encerramento definitivo dos lixões irregulares e destinação correta dos resíduos;
• Implantação de coleta seletiva e compostagem para reduzir o volume de lixo.
