Na última terça-feira (21/11), o Museu Afro Brasil Emanoel Araujo recebeu a mesa “Janelas e espelhos: representatividade nas artes visuais e na construção da autoimagem. Encontro com artistas: Maxwell Alexandre, Manuela Navas, Novíssimo Edgar e Diego Mouro”. A mediação ficou por conta de Nathalia Grilo. O evento fez parte da programação da Boogie Week, um dos mais novos festivais de cultura negra de São Paulo, e teve como objetivo promover um diálogo sobre o papel das artes visuais na afirmação racial e no senso de pertencimento.
Maxwell Alexandre, um dos convidados da mesa, é um artista contemporâneo brasileiro que recebeu o prêmio de artista do ano de 2020 pelo Deutsche Bank, e foi reconhecido como um dos 35 artistas vanguarda pelo Artsy. Em sua fala sobre a definição de representatividade nas artes, ele destacou que considera a palavra como uma caixa para os artistas pretos, visto que lhe cai a responsabilidade de representar toda uma população.
“Eu tenho muita dificuldade de me colocar como alguém que representa alguma coisa porque eu não gosto de ter essa responsabilidade. Eu prefiro a ideia de ser um artista livre e por isso, acredito que a palavra manifestação contempla mais a liberdade, enquanto a representação te coloca em um lugar da política. Eu gosto de renegar esse lugar de ativismo”, afirmou.
Manuela Navas, artista visual e especialista em retratar suas vivências por meio da pintura a óleo, concordou que a representatividade aprisiona. Para ela, um único artista negro não fala por todas as outras vivências de pessoas pretas e que por isso, não deveriam ser considerados “a cara da produção negra artística”, que é diversa. “Quando nós artistas estamos produzindo nossas artes, estamos todos escrevendo as nossas próprias vivências, de acordo com a linguagem de cada um. Quando penso em representação, eu penso muito em contar as minhas histórias e as de pessoas próximas a mim. Eu, enquanto mãe e mulher preta, não posso falar por todas”, acrescentou Navas.
Novíssimo Edgar também salientou sua visão sobre o artista já ter suas próprias questões para lidar para ter essa carga de falar por outras pessoas. “O artista já tem muito para se preocupar, eu por exemplo, trabalho o tempo todo, até quando eu descanso, porque eu sinto o tempo todo que não posso errar na minha carreira. Eu não sei se por causa da minha cor, o bairro onde eu moro ou a minha idade, o que eu sinto é que quem não pode errar sou eu”.
Os convidados também debateram sobre o processo de compra e venda de suas artes e de como funciona o mercado. Diego Mouro compartilhou sua visão sobre como lidar com a questão da colonialidade e do ativismo na arte. “Eu vejo meu quadro como tinta no algodão, mas, ao mesmo tempo, eu crio estratégias para que não seja colonizado nesse processo de venda”. Ele também revelou que a arte não é sua única fonte de renda, e que isso lhe permite recusar algumas propostas que não condizem com seus princípios. “Acontece que essa questão é sempre colocada para nós artistas, ou seja, levanta-se um ativismo para quem faz, não pra quem compra, quem coloca a arte na parede”, criticou ele.
Já em relação ao mercado, os artistas concordaram sobre gostar do “jogo” que é ser uma pessoa negra produzindo arte no Brasil, visto que o mercado “pode corromper seus trabalhos, mas não as suas práticas”, salientou Diego durante o debate, complementando que é preciso estar atento para não se render ao que o mercado quer. “Quando o seu trabalho é o mesmo, o enunciado não importa”, concluiu.
Outro tema que foi abordado durante a discussão foi o trabalho artístico como um ofício, e como eles lidam com a imagem que o mercado e a sociedade têm deles. Manuela Navas disse que vê seu trabalho como qualquer outro, e que não gosta de colocar a arte em um pedestal. “Pra mim o fazer artístico tem que sair do pedestal, é um trabalho. Todos nós levamos a sério a arte como qualquer trabalho, embora seja difícil que outras pessoas entendam que eu trabalho tanto”. Ela defendeu que a arte deve ser trazida para o real, e não ser vista como algo distante ou sagrado.
Maxwell Alexandre concordou com Manuela, e acrescentou que há uma grande diferença entre a realidade dos artistas que são representados por galerias e que viajam pelo mundo, e a dos artistas que são operários e que se deparam com uma realidade mais dura. “Estou correndo, pesquisando, fazendo várias coisas, essa imagem imaculada precisa ser derrubada”, completou. Novíssimo Edgar também destacou durante a conversa a importância do processo, que é responsável pelo artista ser ele mesmo dentro do seu trabalho. “Se perde o processo, você se torna uma outra coisa, você perde a criação, que é um ofício”, completou.
No final da mesa, o público pôde fazer algumas perguntas aos artistas, que responderam sobre seus processos criativos, suas perspectivas sobre o mercado artístico no exterior, experiências pessoais na arte e dicas de como começar nesse mercado. A Boogie Week continua com sua programação até o dia 25 de novembro, trazendo outras mesas de debates e shows com grandes artistas pretos do cenário musical brasileiro, como MC Carol, Linn da Quebrada, Bateria do Vai-Vai, além da atração internacional inédita no Brasil, o cantor de R&B, October London.
Festival Boogie Week
Idealizado pela CEO da Boogie Naipe, Eliane Dias, o conceito da Boogie Week surgiu em 2016, depois que a empresária fez um mapeamento global dos principais festivais temáticos da cultura negra, passando pela África do Sul, Estados Unidos e América Latina. Ela avaliou não somente a curadoria artística, como também a estrutura técnica e a experiência do público. A programação desta edição traz a ideia de pertencimento, acolhimento e celebração do passado, presente e futuro. A proposta é criar um espaço novo para a população negra, “onde a nossa cor não seja lembrada só para falar de dor, de luta e resistência, mas para criar novas memórias com nossas presenças e nossos sorrisos”, afirma Eliane.
O festival Boogie Week inaugura em 2023 sua parceria com o Museu Afro Brasil Emanoel Araujo, uma instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, administrada pela Associação Museu Afro Brasil. A edição deste ano contará também com os patrocínios da ONErpm e Budweiser, os apoios da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, Urbia, iFood, Jeep-Dahruj, Eletromidia como parceiro de mídia e Sympla como plataforma oficial de vendas.
Assessoria de Imprensa
Ghabriella Costermani